terça-feira, 22 de novembro de 2016

O velho, o novo e as paredes atemporais

Meu avô era do tipo que consertava coisas.
Para ele, tudo poderia ter uma sobrevida: chuveiros, telhados, ventiladores, ferramentas, armários, brinquedos. Principalmente brinquedos.
Lá em casa a gente chamava ele de Magaiver. Acho que ele gostava. Eu era muito novo, não fazia ideia de quem era, mas sabia que era um cara que não precisava de muitas ferramentas para sobreviver.
Tipo o meu vô.
O mais legal é que ele não só consertava coisas, como também as criava. Era um sujeito engenhoso. Da própria cama, ele controlava quase todo o quarto: luzes e ventiladores (e, se não me engano, a velha Philco também - o botão de ligar, não os canais).
Certa vez, ele me fez um helicóptero. Precisou apenas de um motor de carrinho leve e um pirulito. Tipo o Magaiver.
Mesmo assim, apesar de toda a engenhosidade, toda a criatividade e toda a capacidade autodidata, ele também tinha seu calcanhar de Aquiles, chamava-se parede de tijolos.
Ainda me lembro da última tentativa frustrada de erguer uma.
Cheguei do colégio e, como sempre, corri pra ficar na cola do velho. E ele parecia confiante. À sua frente tudo sendo erguido nos conformes: tijolo, cimento, tijolo, cimento, bença vô, Deus que te abençoe, tijolo, pancadinha aqui, pancadinha ali, nivela, limpa o suor da testa, minha vó traz a água, a gente bebe, tijolo, cimento, tijolo, acerta, cimento, pancadinha.
Era noite quando ele terminou, mas, mesmo assim, já era possível enxergar que aquela parede não estava entre das 3 mais perfeitas do bairro. Na real, não estava entre as 3 mais perfeitas da casa.
Mas não tinha o que se fazer àquela altura, velho ou novo, casa ou colégio, estávamos exaustos.
Entramos.
Na manhã seguinte, antes do café, corri pra ver a parede. Ela tinha se curvado de uma forma engraçada, parecia uma árvore centenária, mas sem a mesma dignidade. Almocei e, antes de ir pro colégio, dei mais uma checada. Na mesma. Quando voltei do colégio, corri pra vê-la novamente. Ainda mais encurvada. Ainda mais centenária, ainda menos digna.
Como não sei se fui claro, vale ressaltar mais um exemplo. Quando seu velho chevette 74 dava algum defeito, ele preparava a marmita pra ir à oficina, ficava na cola do mecânico o tempo inteiro e, dá próxima vez que o velho trovão azul desse o mesmo problema, ele mesmo resolveria.
Sentiu o drama?
O velho era uma espécie de gênio!
Na medida do possível, a parede tinha estabilizado. Mesmo assim, antes e depois do colégio, ou em cada minuto vago entre subir em árvores, jogar bola e fazer os deveres de casa, eu dava uma conferida na parede centenária do meu avô. Só pra saber se ainda estava de pé (se é que podemos considerar aquilo como “estar de pé”).
Até que em uma das visitas pós-aula, havia uma nova parede de tijolos no lugar da antiga. Pelo que eu entendi, meu avô pagou um profissional pra terminar o serviço. O medo era de que a parede caísse em cima do neto, aparentemente fascinado com a tosquice da parede torta.
Quando fiz doze anos, aprendi onde meu avô errava, era a parada mais idiota do mundo. Tinha a ver com o jeito que ele empilhava os tijolos, a simetria que ele prezava no processo era exatamente o que deixava a parede, você sabe, assimétrica.
Infelizmente, não pude correr pra contar.
Assim como o helicóptero de pirulito, aquela época foi doce, voava entre nuvens de algodão, mas não durou muito.
Meu velho já havia partido.





Nunca vou descobrir o real motivo para o vô não ter superado sua parede de tijolos, mas sei que toda essa história me fez um obcecado em localizá-las por aí.
Descobri que todos nós a temos, não sei se por pura arrogância ou pura distração, nossas paredes de tijolos vão tomando formas bizarras e nada dignas com a mesma naturalidade e constância com que são erguidas.
É importante estarmos ligados nisso, paredes separam muito mais do que protegem. Principalmente quando malfeitas. E o pior, pode ter gente inocente próximo a elas. Pode ser apenas uma questão de tempo e gravidade para que sua arrogância ou distração machuquem alguém que você daria a vida para proteger.

Por isso, fique sempre atento. Paredes de tijolos podem não durar muito, mas sempre existe a possibilidade de a gente durar menos do que elas.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Notas sobre ela, aquela vadia.


O relógio marca 22h54 e nada dela chegar.
Você tenta matar o tempo enfileirando algumas palavras que possam vir a fazer algum sentido, mas não obtém muito sucesso. Bom, tudo está ali: paráfrases, paródias — bricolagem a torto e a direito —, mas sucesso? Não, nada de sucesso. Está ok, mas ok não é bom, e você não quer bom, você quer melhor que isso.
Vinte e três horas. Deu por hoje.
No caminho de casa, você pensa nela com carinho e flerta com a ideia de ser surpreendido durante o percurso. Pobre criatura, esqueceu-se: ela é uma vadia sem alma.
Você chega em casa. Nada parece fazer sentido. Janta o que tem, lava o que precisa e dorme. Amanhã, sem falta.
Ela não pode ser tão cruel assim.
O celular desperta. Você não abre os olhos, mas desperta com ele — na medida do possível, claro. É dia. Terça, quarta? Você ainda não sabe, mas antes que se dê conta, o vazio lhe engole, ela não veio. De novo.
Você enfia a cabeça embaixo do travesseiro e espera que essa sensação de abandono acabe.
Acompanhado ou não, você está sozinho na sua cama. É como nadar no escuro.
Amanhece e, sem muita dignidade, você tenta erguer seu saco de ossos, tromba pelas paredes e chega ao banheiro. Mira o sanitário. Erra.
O dia está só começando.
Depois do banho, já mais desperto, você quebra um ou dois ovos sobre a frigideira. Ao fundo, algum paspalho distribui opiniões parciais no noticiário.
O som da porta se abrindo é um alento.
Sua garota e seus cachorros chegam da caminhada matinal. De repente, como mágica, tudo passa a fazer sentido: o noticiário, o cachorro, a garota. Em semanas, é a primeira vez que você relaxa. Em semanas, é a primeira vez que seu cérebro faz as conexões necessárias. Em semanas, é a primeira vez que ela aparece:
aquela vadia.
Profissionais especialistas publicam onde podem que o trabalho publicitário não é arte, logo, não se precisa dela. E, apesar de ter muita arte aplicada ali, você concorda, não é arte. É venda.
Mas há quem diga que vender é uma arte. E quem disse que apenas artistas precisam de inspiração, aquela cadela vadia?
É claro que você precisa dela. Você precisa dela pra tudo, inclusive pro trabalho. Principalmente pro trabalho.
Você entende que depender dela é um erro, mas daí a não precisar, temos um abismo daqueles. Você precisa de inspiração até para se levantar da cama. Claro, você não pode depender de algo tão leviano para viver, mas depender não é precisar. E é claro que você precisa. Quem não precisaria?
Estar com ela é ter a sensação de cama cheia, do coração saltando pela boca, de ter as pernas emboladas a ponto de não saber quais são as suas e quais são as dela. É dançar sem gravidade. É viver como se a morte não tivesse fôlego para seguir fazendo o trabalho dela, dando vida eterna ao seu.
Os profissionais especialistas falam demais. E, sejamos honestos, o mundo já está cheio deles, em todos os sentidos.
O que está faltando mesmo, são mais amadores apaixonados. Está faltando mais olhares atenciosos ao redor e mais paixão ao que se enxerga.
A inspiração é ciumenta, ela só precisa ver você se distraindo com outra coisa para aparecer. E quando ela aparece, vocês dançam.
E dançar com ela, você sabe. Se você já dançou com ela, você sabe.
Aquela vadia sem alma.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Concorrência, inspiração e títulos. Poderia ser publicidade, mas que bom que era futebol.


Foi uma noite daquelas que nos deixam encurralados entre os clichês jornalísticos e a parede. Apesar da fabulosa média de criativos talentosos por metro quadrado, o roteiro não poderia ter sido escrito por nenhum dos presentes. E os deuses do futebol (sim, os caras!) com certeza estavam pregando suas peças. E não eram coisas que seriam debatidas em uma mesa de bar na tarde seguinte. Estava lá, na cara de todos nós, jogo a jogo, lance a lance, para quem quisesse ou não ver.

Não merecíamos ser campeões. Não da forma tradicional, pelo menos. O título veio a quem era prometido. Nosso torneio foi um torneio a parte, com classificação para a segunda fase conquistada no último minuto, do último tempo, do último jogo e em cima do maior favorito e futuro primeiro campeão da competição - que sairia invicto se não fosse essa pequena intervenção dos caras (sim, os caras!).
As pequenas lições, em grupo ou individuais, também fizeram um espetáculo a parte. No meu caso, aprendi coisas que - quando evidentes - algum talento e um bocado de salto alto nunca teriam me deixado aprender. E esse aprendizado reascendeu em mim aquela velha chama que há tempos virou brasa. Entre bons e maus momentos, nunca tinha me sentido tão bem com a bola desde os tempos de moleque (mas isso é papo pra outra hora).
Em resumo: nada como ver um amor antigo por um prisma novo. 

Ah! E tudo isso sob o olhar atento e atencioso de um faixa-preta do esporte, Jairzinho, o furacão de 70.

Foi o primeiro prêmio que ganho ao lado desses caras. E com certeza ficou o gostinho de quero mais.
O ano ainda reserva novas oportunidades, também em outros gramados, onde estamos um pouco mais entrosados. A filosofia de trabalho é a mesma: coração e talento. Sorte e trabalho. Bom humor e bom senso.
Ambidestria a torto e a direito.

Seleção ambidestra

Jairzinho Furacão
Felicidade clichê

O bom e velho falar é prata, calar é ouro.


Em algum momento nos últimos anos, nos esquecemos do valor que o silêncio tem. Também esquecemos da beleza que tem a introspecção, e que em um diálogo, o hiato entre o que se ouviu e o que vai ser dito, quase sempre é a melhor parte. 

Se eu pudesse listar a quantidade de vezes que me peguei sem palavras em uma conversa, saberia o momento exato em que aprendi que, às vezes, não saber o que dizer pode ser nossa resposta mais sincera.

Pra quem anda desabafando quase que diariamente aqui no Facebook, o raciocínio pode parecer, no mínimo, contraditório. Mas se ajuda a dar crédito, saiba que ele ocorreu quando eu estava em silêncio, naquela introspecção que só a arte ou o barulho da chuva podem trazer.

No caso foi arte.



Um hematoma novo a cada tiragem nova.

É pelo menos um soco no estômago cada vez que lemos as notícias. Somos espancados todos os dias, de todos os jeitos, por todos os lados. 7x1 foi pouco. Vivemos em um sistema afundado até o talo em lama e podridão. Salvo alguns, nossa imprensa é podre na mesma medida. E ainda querem que a gente escolha um lado. O ruim ou o pior? É uma briga entre torcidas. A partida pouco importa. Só querem uma bandeira pra defender. E o pior: sempre querem saber a sua. E sempre que podem debocham: "E aí, foi golpe?" Pra mim foi. Foi não, está sendo. Um não, vários. Todos os dias, de todos os jeitos, por todos os lados. Há muito tempo.

Nota sobre quando a arrogância te empurra de cima do muro


Publicado no Facebook em 27 de Outubro de 2014

Tenho visto no meu feed algumas opiniões bem radicais sobre o resultado das eleições para presidente, construídas aparentemente por muita leitura de memes e sacadinhas de twitter, que seriam até muito bem aceitas em alguns grupos de pessoas, já em outros grupos seriam classificadas como aquilo que Jean-Paul Sartre referiu-se como nada.
Mas serei mais simplório no meu relato, porque, ao que parece, levo minha vida às custas de quase metade da população brasileira que, ao contrário de mim, trabalha. Então prefiro me fazer entender para que essas pessoas, que se autodenominam elite, possam saber que o suor do seu esforço e a energia dos seus aparelhos de ar-condicionado no escritório estão sendo bem empregados na minha educação.
Antes que pensem e digam mais besteiras, saibam que para ser um esquerdista caviar, só me faltam duas coisas:
1 - Ser de esquerda
2 - Ver um caviar de perto.
Cheguei até o último minuto das eleições, sem convicção do meu voto, embora já tivesse a certeza dele há algumas semanas. Naveguei dos dois lados, fiz o advogado do diabo (dos dois diabos) inúmeras vezes desde o final do 1º turno. Pesei os prós e os contras e tomei minha decisão de voto.
Tomei partido.
E minha escolha se fez convicção no primeiro minuto após o anúncio da vitória da candidata a reeleição. Já nas primeiras manifestações de ódio no Facebook e Twitter, o discurso da intolerância, do preconceito e da vontade de gritar sem porra nenhuma a dizer (vindos principalmente de pessoas com opiniões políticas menos bem preparadas que uma macarronada feita por um Neosoro) fizeram eu ter certeza de que apoiei o candidato certo.
Tendo seu voto vencido ou não, estamos no mesmo navio, e por mais que haja pessoas com iates para pular fora caso ele afunde, votei pensando naqueles que nem jangada tem, porque, quando a fome aperta, não dá pra raciocinar com quantos paus se faz uma canoa.

Sertão de Sergipe - Janeiro de 2014

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Questão de perspectiva


Impressionante que, como de todas as pessoas que cruzam nosso caminho, de todas as pessoas que vêm e vão, são pouquíssimas as que conhecem a gente como a gente realmente é.

E quando falo a gente, falo daquele eu de verdade, aquele eu todo particular, que só aparece nos momentos mais íntimos, aquele eu sem armas e armaduras; aquele eu do chuveiro aberto, do carro fechado e do elevador vazio. Aquele eu que perde o sono na madrugada, aquele eu mais simples, que fala com o espelho, do eu que se emociona ao citar o passado, ou que irradia inocência quando flerta com o futuro.

Com quantas pessoas você pode compartilhar esse eu que só você conhece e desfrutar dos mais belos e raríssimos momentos de entrega total do ser humano. Colocar pra fora seu arsenal de piadas sem graça e trocadilhos infames. Todos os seus preconceitos e opiniões mal formadas. Compartilhar os bastidores desse espetáculo de vida que a gente apresenta nas redes sociais.

Pra quem você pode abrir os braços e dizer "Cara, to aqui, sou isso e é isso aí."

Não é preciso me conhecer tanto para saber que tenho o hábito de afrouxar as rédeas de vez em quando. Que me permito não nadar contra a maré, e que solto as mãos do guidom, do leme, do que-quer-que-seja só pra sentir o vento batendo na cara. Acredito que, uma vez ou outra, ser passageiro pode ser a forma mais surpreendente de chegar em algum lugar.

Outro dia, tornei a soltar as mãos da direção do carro, mas, dessa vez, não fiz pelo motivo acima. Fiz porque a vida não é feita apenas de venha a nós, mas também de ao vosso reino. E seria desumano não compartilhar com o mundo, o milagre que tem sido viver ao lado dela.

Logo, em um fim de semana tipicamente carioca, de céu azul e asfalto quente, soltei o volante mais uma vez, peguei o celular, selecionei a câmera e registrei um pouco de um ângulo exclusivamente meu, mas que vocês precisavam conhecer.

O destino não importa, a beleza está no caminho.
Mais especificamente, está ao meu lado.
Exclusivamente nessa perspectiva.
Particularmente minha.